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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Liturgia: uma conversa franca

Por José Renato Leal

Nosso Senhor é, de fato, o mestre sapientíssimo. Haviam razões para que inclinasse a cabeça suada de sangue sob a vontade do Pai, no limiar de sua Paixão. E haviam também razões para que ele dissesse que as coisas que dizia, não as dizia por si mesmo, mas falava daquilo que antes havia ouvido do Pai. E estas razões se resumem numa palavra: "obediência". Nosso Senhor deu-nos pistas do caminho que devemos trilhar. A vida cristã, a vida autenticamente católica, possui esta dinâmica: a alguns é dado entregar e a outros, receber. Alguns recebem a missão de falar, enquanto outros devem inclinar o ouvido. A fé, por exemplo, como diz as Escrituras, vem pelo ouvido. Nós não a criamos por engenho próprio, nós recebemos das mãos da Igreja. O dom de Deus é derramado sobre nós com o instrumento da voz dos padres ou mesmo de um bom leigo. Devemos considerar que na origem do que nos é dado está uma autoridade além de nossa opinião própria. Mesmo sendo Deus, Um com o Pai, deu-nos Nosso Senhor o exemplo. Para uma mente moderna, pareceria ser uma "idéia melhor" ver-se livre do cálice de amargura. Mas Nosso Senhor quis a horripilante monotonia de sua Paixão.

Porque estou dizendo tudo isso? Três tesouros estão sob a guarda dos ministros da Igreja: a doutrina, o culto e o governo. Quero dar destaque agora ao segundo: o culto. Quando Nosso Senhor fundou a Igreja, ele a erigiu sobre uma autoridade humana, Pedro, em torno do qual se congregaria uma rede hierárquica - qual vigas de aço entrelaçadas a sustentarem paredes, teto e chão deste grande edifício chamado Igreja. O conceito de autoridade sempre foi muito forte da Igreja. O fazer ou deixar de fazer isto ou aquilo sempre passou pelo crivo de uma autoridade maior, o do Papa com os bispos, estes com os presbíteros, estes com os diáconos e o povo em geral. É claro que também o simples fiel deve também obediência ao papa. Tanto é que uma ordem vinda de um bispo que seja contrária a do Papa não deve ser obedecida. A autoridade deve ser exercida como um rio que flui de alto a baixo. Se alguém ousa interromper o fluxo deste rio, com o intuito de fazer secar a foz ou mesmo na expectativa de criar uma nova nascente, este alguém é digno de repreensão e descrédito. Que nada se interponha a obra de Deus!

O culto, ou melhor, a Liturgia está sob a guarda da Igreja. Ela não é como uma coisa que se possa mover de lá para cá ao sabor dos impulsos. Devemos recebê-la em espírito de obediência. Nosso Senhor quer favorecer esta grande virtude por meio da Liturgia. Agir à revelia dela favorece apenas a nossa vaidade, que está escondida sob a capa das boas intenções. Trabalhar na Igreja e pela Igreja deve ser uma escola de humildade e sensibilidade para captar o que é ordenado e o que é desordenado. Devemos sentir com a Igreja, aprovando o que ela aprova, desaprovando o que ela desaprova, ser leal para com ela em tudo, até nas mínimas coisas. Isto não é excesso de escrúpulos, nem legalismo, mas é a consciência de que uma força move o agir da Igreja, força esta que vem do Espírito Santo. Reconheçamos o valor das coisas antigas. Não    desprezemos a sabedoria de nossos antepassados. Nosso Senhor disse que o Reino de Deus é como um baú de onde se retira coisas novas e velhas.

Cuidem para que não tenham uma ilusória percepção da realidade. A aparente alegria pode esconder o mal da impiedade. O culto da Igreja não é como uma qualquer outra manifestação de pessoas. Vejam, por exemplo, a Santa Missa. É o mais excelso ato de adoração que o ser humano pode oferecer a Deus. Nele acontece o perfeitíssimo Sacrifício de Nosso Senhor. Tal fato deve suscitar em nós um olhar totalmente diverso daquele que temos para as coisas de nosso cotidiano. A Santa Missa não é um show, nem uma palestra. Ela é um acontecimento. Algo acontece nela (o Sacrifício) e isto deve o centro de nossa atenção, de forma que nada se interponha. Para que isto aconteça, pensemos em três palavras: o culto católico deve ser santo, deve fazer crescer nas almas o anseio pelas coisas espirituais, firme e suavemente; o culto católico deve ser sóbrio, deve ordenar nossos sentimentos, fugir dos excessos, endireitando os caminhos da nossa mente ao Senhor, pois Deus está na ordem e não na desordem; o culto católico deve ser solene, deve manifestar evidentemente e o quanto possível a grandeza do que está sendo celebrado, deve indicar que aquilo que se realiza não é algo trivial.

Fazer o que a Igreja quer e sentir o que a Igreja sente. Que caminho tão evitado tem sido este por tantos católicos! Fazer o que a Igreja quer e sentir o que a Igreja sente. Quanta dificuldade é colocada sobre este ensinamento.

A história da Igreja é una. Há quem queira dividi-la. Não estamos em uma Igreja de 40 anos, mas de 2000 anos. Mas há quem queira exaltar o contemporâneo e rebaixar o antepassado. Não sejamos superficiais. "E tu, Cafarnaum, serás elevada até o céu? Não! Serás atirada até o inferno!" (Mt 11,23) Não sejamos cidadãos de Cafarnaum, mas cidadãos da "Cidade dos cristãos", humilde, cheia de gratidão, justa. Pela obediência somos os elos da unidade da Igreja, somos os fios da túnica sem costura de Cristo. Pela desobediência, somos as tiras do flagelo que rasgaram a carne de Cristo. O que nós queremos ser? Estamos dispostos a fazer renúncia de nossa auto-suficiência? Pois é, meus irmãos. Peçamos a sabedoria de Deus. Peçamos discernimento. Não um discernimento qualquer, como aquele que usamos no supermercado para escolher este ou aquele produto. Não, mas um discernimento que tenha olhos e ouvidos para o bem espiritual das pessoas aqui na terra e para a eternidade, o que não se confunde com um mero bem-estar psicológico. Peçamos a sabedoria de Deus para agir na Igreja, com a Igreja e pela Igreja, em nome de Nosso Senhor. Não estranhem este meu linguajar. A Igreja é a continuadora da Missão de Nosso Senhor. Quem sente o que ela sente, não será confundido.

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