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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A regulação da natalidade e o dever da desobediência

Por José Renato Leal

Em minha postagem anterior, afirmei que o profissional de Medicina, sendo católico (ou mesmo não-católico, mas fazendo reto uso da razão), tem não apenas o direito, mas o dever de resistir a qualquer ordem da autoridade competente (ou melhor, incompetente...) no sentido de executar um procedimento moralmente inaceitável, como o aborto voluntário e a esterilização voluntária. Pensei, entretanto, que faltava fundamentar com o pronunciamento do Magistério da Igreja. Eis que, em meu socorro, surge o grande papa Leão XIII com a encíclica Libertas Praestantissimum, da qual extraio o texto abaixo:
"A lei eterna, norma e regra da liberdade.


12. Numa sociedade de homens, portanto, a liberdade digna deste nome não consiste em fazer tudo o que nos apraz: isso seria uma confusão extrema no Estado, uma perturbação que conduziria à opressão. A liberdade consiste em que, com o auxílio das leis civis, possamos mais facilmente viver segundo as prescrições da lei eterna. E para aqueles que governam, a liberdade não é o poder de mandarem ao acaso e segundo seu bel-prazer: isso seria uma desordem não menos grave e extremamente perigosa para o Estado; mas a força das leis humanas consiste em que elas sejam olhadas como uma derivação da lei eterna e que não há nenhuma das suas prescrições que não seja contida nela como no princípio de todo direito. Santo Agostinho disse com muita sabedoria (De lib. Arb., lib. I, c. 4, n. 15): "Eu penso, e vós bem vedes também, que, nesta lei temporal, nada há de justo e de legítimo que os homens não tenham ido haurir na lei eterna". Suponhamos, pois, uma prescrição dum poder qualquer que esteja em desacordo com os princípios da reta razão e com os interesses do bem público: não teria força alguma de lei, porque não seria uma regra de justiça e afastaria os homens do bem, para o qual a sociedade foi formada.


13. Por sua natureza, pois, e sob qualquer aspecto que seja considerada, quer nos indivíduos, quer nas sociedades, e entre os superiores não menos que entre os subordinados, a liberdade humana supõe a necessidade de obedecer a uma regra suprema e eterna; e esta regra não é outra senão a autoridade de Deus impondo-nos as suas ordenações ou as suas proibições, autoridade soberanamente justa que, longe de destruir ou de diminuir, de qualquer modo, a liberdade dos homens, a protege e a leva à sua perfeição; porque a verdadeira perfeição de todo o ser é tender e atingir o seu fim: ora, o fim supremo, para o qual deve tender a liberdade humana, é Deus.

A ação da Igreja.

14. São estas máximas de doutrina, muito verdadeira e muito elevada, conhecidas mesmo pela luz da razão, que a Igreja, instruída pelos exemplos e pela doutrina do seu Divino Autor, tem propagado e afirmado por toda a parte, e segundo os quais ela jamais tem cessado de regrar a sua missão e de informar as nações cristãs. Pelo que toca aos costumes, as leis evangélicas não somente se avantajam muito a toda a sabedoria pagã, mas elas chamam o homem e o formam verdadeiramente numa santidade desconhecida dos antigos; e, aproximando-o de Deus, levam-no à posse duma liberdade mais perfeita.

É assim que sempre se tem evidenciado o maravilhoso poder da Igreja para a proteção da liberdade civil e política dos povos. Não há necessidade de enumerar os seus benefícios deste gênero. Basta lembrar a escravidão, essa velha vergonha das nações pagãs, que os seus esforços e principalmente a sua feliz intervenção fizeram desaparecer. O equilíbrio dos direitos, como a verdadeira fraternidade entre os homens, foi Jesus Cristo quem primeiro a proclamou; e à sua voz respondeu a dos seus Apóstolos, declarando que não há nem Judeu, nem Grego, nem Bárbaro, nem Cita, mas que todos são irmãos em Cristo. Sobre este ponto o ascendente da Igreja é tão grande e tão reconhecido que, aonde quer que chega a sua influência ? tem-se a experiência disso ? a grosseria dos costumes não pode subsistir por muito tempo. À brutalidade sucede em breve a doçura, às trevas da barbárie a luz da verdade. E a Igreja não tem cessado jamais de fazer sentir mesmo aos povos, educados pela civilização, seus benefícios, resistindo aos caprichos da iniqüidade, afastando a injustiça da cabeça dos inocentes ou dos fracos, e empregando-se, enfim, em estabelecer as coisas públicas uma organização que possa, pela sua equidade, tornar-se amada dos cidadãos, ou fazer-se temer dos estrangeiros pelo seu poder.

A Igreja, defensora da autoridade.

15. É, além disso, um dever real respeitar o poder e submeter-se a leis justas; donde deriva que a autoridade vigilante das leis preserva os cidadãos das empresas criminosas dos maus. O poder legítimo vem de Deus, e aquele que resiste ao poder, resiste à ordem estabelecida por Deus; assim é que a obediência adquire uma nobreza maravilhosa, pois que se não inclina senão da mais justa e mais alta das autoridades. Mas, desde que falta o direito de mandar, ou o mandato é contrário à razão, à autoridade de Deus, então é legítimo desobedecer aos homens a fim de obedecer a Deus. Deste modo, achando-se as vias da tirania fechadas, o poder não chamará tudo a si; estão salvaguardados os direitos de cada cidadão, os da sociedade doméstica, os de todos os membros da nação; e todos enfim participam da verdadeira liberdade, aquela que consiste, como demonstramos, em que cada um possa viver segundo as leis e segundo a reta razão."

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